Novidade

Brevemente, além de leres poderás ouvir os meus poemas e prosas recitados por mim e com fundo musical.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O PALHAÇO

 As mãos trémulas, riscavam o rosto cansado,

linhas que já sabiam de cor o seu caminho,

trespassando rugas de outro desenho pintado,

histórias ocultas de um longo passado,

de quem na multidão viveu sempre sózinho.


Silenciosos os momentos naquele camarim,

transformando seu rosto no espelho iluminado.

Na base branca uns toques de carmim,

Uma cabeleira, com careca, e por fim,

Um sumptuoso nariz vermelho abatatado.


E enquanto o fato mal engendrado vestia,

E os sapatos desproporcionados calçava 

O homem de si próprio se despia,

disfarçando no corpo a dor e a melancolia,

que dentro da sua alma transportava.


Ecoavam nos bastidores ruídos ansiosos,

de uma plateia que acredita num sonho profundo.

Por breves segundos ofegantes e nervosos,

colocando a máscara de sorrisos gloriosos,

As tábuas do palco se tornavam seu mundo.


Muito boa tarde minhas meninas e meus meninos.

Por entre uma gritaria em uníssono a entrada triunfal.

Peripécias, malabarismos, desatinos,

Tropeções, ilusões, canções e hinos,

despertando gargalhadas até ao final.


E por entre palavras e frases trocadas,

propositadamente mal percebidas

Desenvolvia as sequências estudadas,

Mas mais eram as parvoíces improvisadas,

soltando o riso e o encanto em jovens vidas.


Ali, mais do que o gosto de ser actor,

alimentava a sua alma e seu coração.

Numa plateia de sorrisos carregados de amor,

por momentos esquecia a sua própria dor,

a até ele acreditava naquela ilusão.


Voltava ao camarim, desfeito, cansado,

num aplauso de encore que não acontecia.

Mas enchia-lhe o peito saber que tinha deixado,

naquele palco antes vazio e calado,

um mundo de sonhos e fantasiosa alegria.


O suor no seu rosto ilustrava o cansaço,

debotando-lhe os traços da preciosa maquilhagem.

Novamente sózinho, o triste palhaço,

sentia-se ainda envolvido num abraço,

daquela tão efémera mas valiosa viagem.


Voltava a ser homem, voltava a ser gente,

O palhaço brincalhão numa mala guardava.

Num recanto da sua alma um sorriso contente,

Era bem mais importante e pertinente,

do que o cachet do qual tanto precisava.


O palhaço nunca mais aos palcos voltou,

Os sorrisos ingénuos nunca mais o viram.

Ninguém sabe, até hoje, onde será que ficou,

O homem cansado, o palhaço abandonou,

Mas o seu coração e alma nunca mais sorriram.


O homem, esse, ainda anda por aí...

Mas do palhaço já toda a gente se esqueceu.

Mas foi desse palhaço que belos momentos vivi,

nessa personagem que construí ,

porque afinal o homem, sou eu.







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