Mas eu, eu não conseguia dormir! Vigilante e atento, mantinha-me desperto com receio da noite acordar! Ali estavamos: eu... e a noite! Cheguei até a cantar-lhe baixinho canções de embalar que outrora aprendi. Depois, deixei que o silêncio me invadisse também, e até por breves momentos os meus pensamentos se calaram. E nesse total silêncio, encontrei um pedaço de mim que há muito tempo se tinha ausentado, talvez por força das circunstâncias, da vida vivida à pressa, do tempo que tempo não tem, do relógio que não pára ou que só pára quando não deve parar. Talvez a rotina e o cansaço dos dias tão cheios de tudo e tão vazios de prazer, me tenham roubado esse pedaço que outrora me completava na tentativa utópica de encontrar a plenitude de um estado de alma tranquilo e coerente.
Para dizer a verdade, achei estranho esse regresso inesperado, de algo que por vezes me fazia sentir mais homem e outras vezes redesenhava os caminhos do meu destino, do meu querer inscontante. Contudo, deixei-me ficar. Deixei que essa outra parte de mim se explicasse e me dissesse o porquê de voltar, assim, no silêncio, com a noite a dormir.....
Estaria eu a sonhar? Não, porque o sonho não vem assim, nem me faz sentir este aperto no peito de quem não encontra jeito de se aceitar. Estaria eu delirando? Mas que doença me daria tal febre de delirio permitindo tamanha e tão pura lucidez?
Nada fiz, e deixei-me levar aceitando essa sensação estranha de algo que me rasgava a pele e me dilacerava a carne, mas que em simultâneo me tranquilizava e me dava espasmos de prazer indefinido.
... Não sei como.... devo ter adormecido! E eu que devia tomar conta da noite.... Acabei por adormecer na noite que tão profundamente estava dormindo.
Hoje, quando acordei, já a noite tinha acordado e se tinha vestido de dia radiante. E eu, apenas eu, era um todo em mim. Era mais do que tinha sido, sendo uma gota de água sentia-me um mar, como se os meus braços fossem asas e pudesse voar livremente pelo meu imaginário, sem medo de conceitos ou preconceitos estabelecidos por conveniências comportamentais e sociais, era eu. Eu! Tão EU!
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